Conversar já foi algo tão natural quanto respirar. Hoje, em tempos de mensagens por voz de até um minuto e respostas com emojis e GIFs (torço para que os seus sejam os do tipo engraçados), parece que estamos reaprendendo esse ofício antigo — e fundamental — de trocar ideias e passar emoções.
É impressão ou a arte da conversa virou campo minado? Se afiar demais na objetividade, vira grosseria, por outro lado, expressar sentimentos, rodear e até fazer uso de metáforas, vira emocionada(o), passando a ideia de carência ou desespero. Se optar por não falar, quem somatiza é o corpo.
Nesse enredo, entrou a inteligência artificial também. O ChatGPT, por exemplo, exige perguntas claras e detalhadas. Se disser apenas “me ajuda aí?”, pode receber uma dissertação sobre a Revolução Francesa ou uma receita de bolo vegano (ótima, por sinal). Já a Alexa está sempre pronta para conversar, mas se for reclamar da vida, ela vai apenas te oferecer uma playlist de lo-fi ou frequência tipo 1. 528 Hz e vida que segue. Sem julgamentos, mas zero empatia. E quando o pensamento é complexo demais? A resposta ao prompt é: “o conteúdo enviado é muito longo para ser processado de uma só vez”.
Com os queridos PETs, como os gatos, elegantes e soberanos que são, as conversas são silenciosas, imponentes e exige intuição, humildade e talvez um curso intensivo de filosofia existencialista para não se sentir rejeitada(o).
Com familiares, o campo é delicado: brincadeiras carregadas de códigos afetivos e, às vezes, (só as vezes) preconceitos. Com desconhecidos, se pessoalmente, formalidade e seriedade, se pelas redes sociais, excesso de sinceridade e até opiniões desnecessárias. E entre amigos, às vezes, a conversa mais verdadeira não é a que tem piada pronta, mas a que sustenta um silêncio sem pressa.
A questão é: usar o mesmo “modo de falar” em todas as situações dá certo? Aquele tom direto e resolutivo que você usou com a IA? Vai soar insensível se usado com sua avó. O afeto açucarado que usou com o PET? Pode parecer manipulação em uma reunião profissional. Cada conversa pede um mapa, uma escuta e uma tradução simultânea entre intenção e recepção. Não há um estilo universal. Existe afinação, tentativa, erro, revisão.
E se tudo isso já não fosse desafiador o suficiente, há aquelas conversas que a gente evita como quem foge de boleto atrasado: as difíceis. Cedo ou tarde, todo mundo precisa encarar uma. E se ainda não encarou, talvez esteja adiando um crescimento necessário. Conversas difíceis exigem habilidade, mas também coragem. Requerem pausas conscientes, disposição para ouvir o que não se quer e maturidade para não fugir ao primeiro desconforto. É preciso suportar a dor do outro e também acolher as próprias inseguranças — o que, cá entre nós, é praticamente um esporte radical.
Mas essas conversas merecem um capítulo à parte. Aliás, merecem um próximo artigo, quem sabe?!
Reaprender a conversar é uma escolha diária. É negar o modo automático e, em vez disso, aplicar presença, curiosidade e técnica. É errar o tom e depois voltar pra consertar. Aprender a pedir desculpas (e aceitar também, viu?!). É entender que conversar não é só falar — é construir pontes, fazer perguntas melhores, escutar com o corpo inteiro. E às vezes, é ter a coragem de dizer: “Não sei o que dizer, mas estou aqui”.
Em tempos de hiperconectividade e déficit de escuta, reaprender a conversar talvez seja o ato mais revolucionário — e humano — que podemos praticar.
Vamos reaprender a conversar?
Tamires Santana
Assessora de Comunicação